24 julho 2011

Quanto mais feinho, melhor

Focinho achatado, pernas curtas, olhos saltados, pelo
em tufos – os cães exóticos parecem lindos aos olhos
de seus donos. Muitos deles resultam de cruzamentos
inadequados e podem ter problemas de saúde


Carolina Romanini

O homem domesticou os cães há 10 000 anos e, desde então, a relação entre as duas espécies conheceu momentos memoráveis. Pinturas em cerâmica mostram que os gregos da Antiguidade criaram os primeiros cães que se aninhavam no colo dos donos. Os ingleses passaram meio milênio aperfeiçoando raças especializadas na caça da raposa. O mais recente capítulo dessa história não é tão edificante, mas mostra que o apreço dos humanos pelos cachorros não tem limites. Nos últimos tempos, o critério de muita gente para escolher o cão de estimação tem sido a feiura do bicho. Pernas muito curtas, orelhas desproporcionais ao rosto, olhos saltados como os de um gafanhoto, ausência de pelo, focinhos achatados e várias dobras de pele – tudo isso virou motivo de atração, e não de repulsa, para quem escolhe cuidar de cães feinhos. Ou melhor, exóticos, como preferem os donos. Todo mês de junho, a celebração aos frankensteins caninos tem seu ápice numa feira de agricultura da Califórnia chamada Sonoma-Marin Fair. A principal atração da feira é o concurso que escolhe o cachorro mais feio do mundo. Na edição passada, o vencedor inconteste foi um exemplar da raça cristado chinês, um pequeno horror de 30 centímetros que tem apenas tufos de pelo na cabeça, no rabo e nas patas, além de pele manchada e um focinho de camundongo de laboratório. Para completar a estranheza, o bicho transpira pela pele, e não predominantemente pela língua, como todos os cães. Os cuidados obrigatórios com o cristado chinês incluem esfoliação semanal para eliminar cravos, aplicação diária de hidratante na pele e protetor solar caso ele seja exposto ao sol.

Lew Robertson/Corbis/Latinstock

PUG
A celebridade entre os feios. Não pode ficar sozinho: requer atenção
e cuidados do dono 24 horas por dia
Preço: 2 000 reais

Nada disso assusta quem se apaixona pelos cães feios. Como a socialite Paris Hilton, que mantém dezessete deles em sua coleção. Ou a chefe de cozinha paulista Paloma Pegorer, que, além de dois cristados chineses, tem em casa exemplares das raças griffon de Bruxelas e petit brabançon – ambas com focinho achatado e olhos saltados. "As pessoas se espantam à primeira vista, mas se apaixonam em minutos, depois de conhecer o temperamento alegre e carinhoso dessas raças", diz Paloma. Não sai barato levar um desses cães para casa. Os mais populares custam entre 2 000 e 10 000 reais. É preciso estar atento ao fato de que esses cães não são do tipo companheiro para toda ocasião. Das dez raças eleitas como as mais feias pelos organizadores da Sonoma-Marin Fair, sete têm predisposição para doenças respiratórias e oftalmológicas. Os focinhos achatados prejudicam o sistema respiratório dos animais, que costumam espirrar e roncar demais. Além disso, quando esses cães farejam, seus olhos ficam muito próximos do chão, fazendo com que sofram frequentemente de lesões nas córneas e conjuntivite. Na lista dos cachorros com essas características estão o chihuahua e o pequinês – pioneiros entre os exóticos – e os novos queridinhos shih-tzu e pug. O último chama atenção pelas rugas. A grande quantidade de rugas que o pug tem na cara pode causar doenças de pele, como dermatite. Por isso, suas dobrinhas devem ser limpas diariamente.

Bill Cooke/AP

A BELA E AS FERAS
Paris Hilton e sua Tinkerbell, cadela
da raça chihuahua: a moça tem outros dezesseis cães esquisitos em sua coleção

Muitos dos problemas que os cães exóticos apresentam se devem também aos cruzamentos feitos de forma indevida. Como essas raças são raras e caras e existe uma demanda muito forte por elas, já que estão na moda, os criadores promovem cruzamentos entre espécimes com parentesco próximo em vez de comprar novos cães para cruzar. O mesmo aconteceu há uma década, quando o sucesso do filme 101 Dálmatas promoveu uma mania pelos cães dessa raça. Na pressa de produzir novas ninhadas, muitos criadores cruzavam dálmatas consanguíneos. "Um grande número de filhotes nascia com deficiências crônicas no pâncreas e problemas de surdez, entre outras anomalias", diz o veterinário Regis Christiano Ribeiro. O conselho dos especialistas para quem pretende criar um cão exótico é verificar se o animal escolhido tem as características exatas da raça. Uma anomalia, embora pareça graciosa, pode significar que o cão é resultado de um cruzamento inadequado, que acarretará doenças mais tarde. É preciso também verificar se a raça escolhida se adapta ao clima brasileiro – a maioria das raças exóticas tem origem na Europa e na Ásia, regiões onde o clima é mais frio, e algumas sofrem com o calor dos trópicos.

Mas, afinal, o que há por trás da mania pelos cachorros feios? "Os cães, que tradicionalmente têm como função caçar, guardar territórios e servir de alguma maneira ao homem, acabaram se tornando também um enfeite para quem segue as tendências da moda", define a veterinária paulista Hannelore Fuchs, cuja especialidade é tratar de cães com desvios de comportamento. Os cães-bibelôs são uma novidade na relação ancestral entre humanos e caninos.

Lilo Clareto

SOMBRA E ÁGUA FRESCA
A paulista Paloma e um dos cristados chineses que cria: passeios de carro só com o ar-condicionado ligado.
"Sol e calor mancham a pele deles", ela diz

Fonte: Revista Veja

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